terça-feira, 7 de agosto de 2012

A vedete paraense que abafou no Rio

                                                                          
Benedito Carvalho Filho

Um dos momentos mais elevados de Rio de Raivas, talvez o melhor romance já escrito sobre Belém, é quando Haroldo Maranhão reconstitui a partida de Belém de Nádia Pérola, nome sob o qual acomodou a futura vedete do teatro-rebolado do Rio de Janeiro, Mara Rúbia, a loura infernal. Seu nome de batismo era Osmarina Lameira Cintra, transformada em Edileusa Mangueira Caridade pela inventiva de Haroldo.
Era pobre, mas era linda. Quando se separou do seu primeiro marido, que viria a morrer precocemente, o deputado estadual Benedicto Carvalho, um dos líderes do PSD (Partido Social Democrático) do todo-poderoso general Magalhães Barata (o Cagarraios Palácio da ficção), tornou-se amante do médico Adriano Gonçalves (ou Dr. Gesteira) e passou a ser ainda mais cobiçada por todos. A cidade contava (ou inventava) o número dos que frequentavam sua casa e sua cama, seguindo o código da cor da toalha colocada na janela.
Logo os estreitos limites da provinciana Belém se tornaram uma prisão, ainda que dourada. Para se libertar dos grilhões da maledicência pública e da condição de amante, decidiu ir embora da capital paraense. Raros apostariam que Osmarina se transformaria numa das mulheres mais deslumbrantes e disputadas da capital federal, até o Rio de Janeiro perder esse posto, em 1960.
Os paraenses – e mesmo os cariocas de hoje – a desconhecem. Sua história, encerrada em 1991, aos 73 anos, foi recontada por sua filha e uma amiga em livro agora lançado. Por coincidência, na época do lançamento o também paraense Benedito Carvalho Filho, atualmente professor de sociologia da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, estava no Rio
Benedito leu o livro e de imediato escreveu um artigo, que não é uma resenha comum: é o testemunho de um dos filhos do primeiro marido de Mara,(não só) o deputado Benedicto Carvalho. Pelo valor histórico do texto, decidi publicá-lo nesta edição. E logo em seguida o trecho antológico de Haroldo Maranhão, contemporâneo de todos os personagens de carne e osso, que protegeu (às vezes com a diáfana veste da fantasia) atrás de pseudônimos bizarros e mordazes, como é a característica do Rio de Raivas, lançado em 1987 e hoje uma raridade.

O DEPOIMENTO DE BENEDITO CARVALHO

Eu estava no Rio de Janeiro no natal quando li no jornal O Globo do dia 24 de dezembro uma página inteira de comentários sobre o livro recém lançado sobre a paraense Mara Rúbia, chamado Mara Rúbia, a Loura Infernal, de Isis Baião e Therezinha Marçal, a filha da atriz, pela Editora Aeroplano, Rio de Janeiro.
No outro dia corri para uma livraria à caça do livro e retornei para o local onde estava hospedado. No dia seguinte, comecei a leitura das 401 páginas num só fôlego e não consegui parar. Cada capítulo, uma surpresa.
Esse livro, para mim, tinha algo muito especial: a Loura Infernal fez (ou faz?) parte do imaginário de minha infância e juventude. Afinal de contas, ela foi a primeira mulher de meu pai em Belém do Pará. Eles viveram um casamento conturbado, cheio de amores e conflitos, tornados públicos.
O cenário era o dos anos 40-50 e podemos imaginar o que era Belém no pós guerra, com sua reduzida população, ainda não interligada ao resto do país, levando aquela vida provinciana própria de uma cidade pequena.
Mara sempre foi um mistério para mim, e, certamente, para os meus irmãos. 
Na minha imaginação infantil, além dos oito irmãos de Belém, eu tinha mais três no Rio de Janeiro. E foi uma surpresa ao descobri-los. Não dava mais para negar a existência da Osmarina Lameira Cintra, que se transformou na esfuziante loura do Teatro de Revista no Rio de Janeiro, a Mara Rúbia.
Fui conhecê-la pessoalmente quando, no início dos anos 1970, fui exilado no Rio de Janeiro, depois da rocambolesca prisão em Belém, num protesto de estudantes do Colégio Estadual Paes de Carvalho, quando eu tinha apenas 19 anos de idade. Depois de morar numa comunidade no aprazível bairro de Grajaú, que começava a se tornar alvo da repressão, sem saída decidi procurei a Mara.
Ela que me recebeu sorrindo, de braços abertos, abrindo as portas de seu vasto apartamento na avenida Copacabana; me alojou no andar de cima de seu duplex e seu famoso teatro particular, onde, nos anos 50, acolheu artistas, compositores e jovens, que faziam suas festas, ensaiavam suas peças teatrais, etc.
Naquela época difícil eu não tinha consciência do que tinha rolado ali. Alguns diziam que no Posto 4, mais exatamente  no apartamento da Mara, teria surgido a Bossa Nova, que iria marcar toda um geração naquela época de ouro da cultura brasileira. Mas, segundo o livro, muitos historiadores dessa época dourada silenciaram sobre esse acontecimento.
A leitura do livro me fez preencher muitas lacunas. No primeiro capítulo, Precisa-se de Girls, que inicia com uma bela foto da Osmariana Lameira Cintra posando sentada na cama, pude contemplar o olhar daquela menina-mulher. E, em seguida, somos apresentados à esdrúxula família Lameira Cintra, como no filme.
O leitor é informado que ela nasceu no Pará, em 1918, de mãe paraense e pai, filho de português, nascido no Ceará.  A história de sua mãe, a Dona Cezarina, e do pai, Alípio Colares, que não parava no emprego porque bebia muito, é cheia de surpresas, com suas constantes mudanças, viagens, como se fosse um cigano rodando o mundo. No Ceará foi motorista de ônibus, morou no Xingu, onde a filha, segundo certas versões, quase foi raptada pelos índios porque viam naquela jovem mulher branca uma deusa.
Depois o pai foi para ilha do Marajó administrar uma fazenda de um senhor chamado Leandro Tocantins Penna, de uma tradicional família local. A vida nas cidades do Norte, naquela época, não era diferente de outras cidades brasileiras, principalmente do Nordeste.
Era marcado pelo velho e sufocante patriarcalismo, em que a mulher só possuía três alternativas: ser esposa (e ai dela que ousasse se separar), ser freira ou ser puta (e ser puta não significava somente ir para o mangue, segundo a expressão de meu pai, fortemente marcado pelo machismo nordestino-piauiense da Parnaíba), mas se dedicar a qualquer atividade artística, cultural e política.
A história íntima da Osmarina não revela somente a singularidade de sua trajetória confusa e cheia de ambigüidades. Traz à tona vários aspectos significativos da subjetividade de várias gerações de mulheres e homens, sufocados pelo preconceito, pela hipocrisia dessa cultura patriarcal, autoritária como é a sociedade brasileira.
Ao ler certas partes do livro nos deparamos com alguns depoimentos de seus filhos e outros membros da família sobre o comportamento ambíguo da Mara. Ora se mostrava uma mulher intrépida e ousada, ora revelava um conservadorismo incompreensível e inexplicável, principalmente na criação de seus filhos, como é possível perceber nos depoimentos da Therezinha e do Birunga.
Como compreender uma mulher que, no palco, virava a loura infernal, brincando desinibidamente com a platéia nos seus shows no Teatro de Revista, provocando delírios no público com seus gracejos, e, na vida privada, era tão preocupada, moralista com a educação de seus filhos?
Certo dia, depois de uma gravação no Museu de Imagem e Som (MIS), ela me convidou para passear na ilha de Paquetá. Naquela serena ilha almoçamos, jogamos conversa fora. Falou de sua vida com meu pai revelando um grande carinho e nostalgia. No meio da conversa as lágrimas caíam de seus olhos. Ela não estaria fazendo cena? Não, ela chorava mesmo. Aí pude sentir a outra mulher, a Osmarina Lameira Cintra.
Mara, graças à sua deslumbrante beleza (e sorte), conseguiu brilhar e fazer um enorme sucesso naqueles anos dourados na capital do país em um momento em que trafegavam por ali as maiores personalidades da política brasileira, lotando o teatro da Praça Tiradentes nas badaladas noites onde sempre circulava as belas mulheres sedutoras, fazendo troças dos acontecimentos políticos do momento. Isso é bem relatado no livro, nos fornecendo informações detalhadas sobre a vida social e política do Rio de Janeiro e do Brasil.
Não teve, nem precisou de instrução para orientar-se na vida.  Tudo aquilo que conquistou duramente, a fama e o sucesso, como percebemos ao ler o livro, não foi suficiente para enfrentar uma velhice mais segura.  Apesar dos anos de teatro e filmes, não conseguiu se aposentar. Foi uma das causas de sua amargura. As suas tentativas, inúteis, de conseguir sua aposentaria, ela relata no livro.
A condição da artista era muito diferente. Além de ser mulher, o trabalho que elas faziam não era reconhecido juridicamente. A atriz tinha o mesmo status profissional das prostitutas, as profissionais da diversão noturna. Não possuíam registro na carteira, tudo era muito romântico, a paixão pelo teatro, o viver o aqui e agora do sucesso, sem planejamento e sem pensar no futuro, como era comum nessa época no mundo artístico.
A hecatombe que viria pela frente já se anunciava. 
Recordo o tempo em que encenou a peça Liberdade para as Borboletas, quando sofreu o trágico acidente. Era visível a sua mágoa, seu cansaço e tristeza, evidente no seu depoimento ao SNT [Serviço Nacional do Teatro]. Em um trecho ela resume essa mágoa: “Hoje estou bem, mas um tanto magoada. Tinham me ensinado que o amor ao teatro deve estar acima de qualquer coisa. E dediquei a minha vida ao teatro. Na hora que precisei de amor, o teatro me negou. Não tive o menor carinho”.
Mas ela não estava nada bem. Uma das fontes de sua preocupação era Ronaldo, Ele tinha uma resistência enorme para suportar grandes doses de cachaça e cerveja e ia além do limite, pois não conseguia parar de ingerir o álcool. Caminhando trôpego pelas ruas, só chegava em casa “caindo pelas tabelas”.
Nas conversas, falava da sua mágoa por ter sido impedido pela mãe de ser piloto de avião. O livro narra bem isso. Percebe-se a influência de um piloto que namorou a mãe. Ele morreu num trágico acidente aéreo durante uma demonstração da Esquadrilha da Fumaça numa cidade do nordeste brasileiro. Será que Mara temia que o mesmo podia acontecer com o filho?
Quando Ronaldo chegava embriagado, ameaçava jogar pela janela a velha avó Cezarina (a gestapo, como ele dizia). Ela sorria. Parecia acostumada com essas ameaças.  O alcoolismo do neto, na opinião dela, era uma tara hereditária, herança de meu pai. Quem sabe, também, de seu avô, o marido de Cezarina? Seus comentários eram mordazes e venenosos.
Um acontecimento foi fulminante na vida do Ronaldo no período em que lá estive: a revelação que seus dois irmãos, Therezinha e Birunga (Osvaldo), não eram filhos de nosso pai. Ela tinha receio que eu contasse para ele essa amarga verdade e, por isso, resolveu revelar o segredo. Ele sentiu-se traído pela mãe e por todas as mulheres do mundo. Para ele, todas eram putas, não mereciam confiança ou respeito. Mergulhou ainda mais no álcool e na autodestruição. O médico Adriano Guimarães, que trabalhou com papai no Pronto Socorro de Belém, era o verdadeiro pai dos outros filhos de Mara. Eu também fui saber disso na minha juventude.
Por que, somente depois de ter atravessado uma violenta crise nervosa e mãe revelou bem anteriormente esse fato para Therezinha – como ela enfatiza no livro – deixando-a confusa e desnorteada? Por que motivo Mara, uma mulher tão livre de preconceitos, deixou os filhos enganados por tanto tempo? Sentimento de culpa?
É difícil saber. Talvez, naquela época, não se tinha consciência de que a mente de uma criança não é uma tabula rasa e que a negação da verdade, longe de preservar sua sanidade mental, pode fazer estragos que lhe marcará a para o resto da vida. A forma como os filhos reagiram, como podemos perceber ao ler o livro, revela isso.
O coração de Mara havia suportado muitos atropelos. Apesar de ser uma mulher valente forte e ter lutado contra muitas adversidades, e vencido, percebia que sua época estava chegando ao fim.
Para Mara, a vida era um teatro. Depois do enfarte, resolveu fazer um concurso para o Centro Cirúrgico do Hospital Italiano. Estava empolgada e parecia otimista. Percebia que Mara buscava um novo sentido para sua vida. Afinal de contas, reaparecia a menina-moça que curava as feridas na ilha do Marajó.
Morria de rir de suas peripécias no hospital. O velhinho que não queria tomar banho, envergonhado, porque não queria tirar a roupa e Mara, com aquele seu jeito intempestivo, desnudava o velho, fazendo piadas e tirando o paciente da depressão. Ela parecia ter encontrado um novo público. A loura infernal voltava à cena. Isso era vital para lhe manter viva.
Porém, tal como afirmava Chateaubriand, a velhice para uma pessoa que foi bela, é o naufrágio. Mara tentava adiar cada vez para mais para longe a sua hora de encarar-se como pertencente ao contingente de idosos na idade da decadência física e mental.
Ronaldo continuava o bêbado de sempre. O alcoolismo lhe dotou de tiques nervosos e de uma hipocondria crescente. Bastava sentir-se recuperado da bebedeira anterior, para logo recomeçar a beber.  O novo ciclo, cada vez mais destrutivo, durava mais dias e semanas. Quando esgotado, caía na cama e se recuperava, ficando pronto para a próxima vez.
Seu fim triste e dramático é narrado no livro por Therezinha. Uma descrição de uma tragédia, de uma decadência de fazer chorar.
Ronaldo morreu atropelado no carnaval de 1995. Osvaldo Lameira Cintra de Carvalho, o Birunga, morreu antes da publicação do livro (a ele dedicado pela irmã). Sua mãe, Mara Rúbia, faleceu em 15 de maio de 1991. Nosso pai também se acidentou quando tentou subir bêbado num ônibus em Belém do Pará. Perdeu a memória. Faleceu três anos depois. Seria aquela repetição de que falava Freud? (Benedito José de Carvalho Filho)

A FANTASIA DE HAROLDO MARANHÃO


A Folha do Norte, de Paulo Maranhão, avô de Haroldo, tinha uma seção fixa chamada “Paraenses que brilham no Sul”. O espaço era reservado aos conterrâneos que, tendo se aventurado ao “Sul” (da Bahia para baixo, com ênfase no Rio de Janeiro), se estabeleceram. Alguns dos personagens celebrizados tinham competência mesmo para se estabelecer. Outros, nem tanto. A maioria só brilhava no noticiário do jornal. Mas a Folha estava atenta para enaltecer os vencedores, sobretudo os amigos da “casa”, que se engrandecia por tabela com o sucesso da “sua gente”.
Neste trecho do livro, Haroldo ironiza esse hábito, como outros, marcantes no provincianismo belenense dos anos 1950. Coloca-se na pele de Edileusa e expressa suas mágoas com realismo e profundidade. Afinal, alguns anos depois o próprio Haroldo seguiria o mesmo caminho. Belém também ficara pequena para ele, desde que o avô lhe fechara o caminho da sucessão. Paulo Maranhão devia sentir-se premiado por ter um neto dessa estirpe. Mas desconfiava de que Haroldo ia colocar o seu vetusto jornal de cabeça para baixo. Preferiu não largar o timão da direção do mais influente órgão da imprensa paraense durante boa parte da República. Só saiu da posição em 1966, anos depois de Haroldo ir-se embora, e porque a morte o aposentou, aos 94 anos.
A velha e característica Belém está retratada neste trecho do livro. E no final do romance, agora na pele de outra mulher marcante na época, Dalila Ohana (que aparece como Ebréia), expulsa da casa onde morria seu companheiro de muitos anos, o caudilho Magalhães Barata. Banida por não ser a esposa de papel passado, teve que ceder o lugar que ocupara até a véspera para que a mulher ungida pela santa Igreja (mas desde muito tempo separada do marido) ocupasse a cabeceira do grande homem como a grande mulher. É outra cena de despedida, de mais uma paraense que ia para “o sul” tentar a vitória.
Segue-se o que Haroldo Maranhão escreveu; em colchete, a identificação dos personagens:
Edileusa Mangueira Caridade meteu o passado na mala, uma das malas de camarote, e largou-a no oceano, mal o “Ita” entrou no mar aberto depois do Farol de Salinas. Disse à mãe debruçada na popa, distraindo-se com o rabo de espuma que o navio fazia: “A Edileusa acabou, mamãe. O Comphormado [Benedito Carvalho] já está enterrado. Enterro o teu Mangueira e o Caridade dele. Edileusa Mangueira Caridade morreu de morte morrida. E o Pará ficou para trás. Agora sou outra pessoa, presta atenção. Mas presta atenção mesmo. Que se me chamares de Edileusa eu te demito e te mando apanhar bacuri no Marahu. Agora eu sou a Nádia Pérola. Grava na tua cabeça: Nádia Pérola. Se Deus me fez assim, boazuda, com estas coxas fantásticas, com esta peitaria e esta pele de marfim, esta brejeirice e este palminho de rosto que bota os homens malucos, tu achas que eu continuaria perdida na Frutuoso Guimarães, mofando na João Alfredo, indo ao “Iris” e ao “Guarani”, comprando besteirinhas na 4 & 4?, com este bumbum maravilhoso sentado na cadeira de balanço, esperando que o Gesteira [Adriano Guimarães] deixasse aqueles amigos fuxiqueiros lá dele da terrasse do Grande Hotel? Eu, hein, Rosa? Acho que quem me abriu os olhos foi Dom Galúcio Mamana [Dom Alberto Ramos, arcebispo de Belém]. Ele falou peã voz do profeta: “Dona Edileusa: a senhora é muito grande para uma terra tão mesquinha. A senhora é muito grande, muito grande, uma criatura que não pertence à tribo tupinambá. Parece mais um ser vindo de outra galáxia”. Pois foram essas boas palavras, mamãe. E Belém é isso mesmo, um palquinho do Variedades, teatrinho vagabundo do arraial. Eu não quero nem mais um Círio passando em frente à Sociedade do Descanso e sendo mordida nos peitos e na bunda pelo olhar bandalho daqueles velhos sem-vergonha e por aqueles portugueses que só pensam em tirar uma casquinha mas não comparecem com os borós. Justiça seja feita ao Gesteira. Papou mas se coçou. Foi até muito bom conosco. Muito bom mesmo. Pensei em me despedir. Mas não gosto de adeuses, que adeuses maltratam. Fui saindo de fininho. É bem capaz de a esta hora nem saber de nada. E estar esperando o pirralho para avisá-lo se na janela estava a toalha vermeha ou a branca. Um santo. Esse um é. Não sei se fiz bem ou mal: deixei as toalhas embrulhadas para lhe entregarem amanhã no escritório. Um impulso que me deu. É homem para mandar emoldurá-las no “Cosmorama” juntamente com a bandeira do Paissandu. Agora, mamãe, é não olhar o passado. Salinas já ficou para trás. Já ficou para trás o fedorento Ver-o-Peso, a João Alfredo, o Mosqueiro, a Missa das Dez. É olharmos para a frente. Na Maravilhosa me espera o sucesso e a glória. Os palcos lá não são palquinhos. Há luzes e brilho e eu serei a Nádia Pérola, de quem falarão por muitos e muitos anos. Nádia Pérola! Se me chamares pelo nome que me batizaram eu te torço o pescoço e te jogo dentro d’água. O comandante já mandou nos convidar para almoçarmos amanhã na mesa dele. Esse homem fareja o sucesso. Percebeu que entre os passageiros há uma passageira especial: eu. Eu sou especial, minha santa mãe de Gurupá, bebedora de mangaba e raspadora de piquiá. Não sou mulher de uxis, de refresco de cupu, de tamuatás. O sucesso me espera de braços abertos. Serei estrela de um filme da Atlântida, ao lado do Mesquitinha, do Oscarito e do Grande Otelo. Maior que a Virgínia Lane e a Linda Batista. A senhora ainda vai ter muito orgulho de ser a mãe da Nádia Pérola. A estrela! Pois saiba que aqueles índios do terrasse do Grande Hotel irão me espiar na Praça Tiradentes. Sem as mulheres saberem, lógico, que eles são assim, de jogar a pedra e esconder a mão. Vão querer tirar uma lasquinha, mas taqui pra eles. É uma gente muito estranha, mamãe. Comentam o diabo no Grande Hotel, o que fazem e o que não fazem. Lá, tudo quanto é mulher é vagabunda. Gentinha muito da infame. Não soube daquele libanês da 15 de Novembro, como é mesmo o nome dele? , que mandou um bilhete para aquela cantora portuguesa que agora me esquece o nome e que cantou no Coliseu na última Festa de Nazaré? “Dou-lhe tantas peles de 500 que quiser para passar a noite comigo”. A resposta da portuguesa foi divina: “Pois dou-lhe o dobro para não sentir-lhe o fedor”. É, mamãe: Nádia Pérola, a estrela! Já estou me rindo toda de aparecer no Folharal [Folha do Norte] uma notícia a meu respeito no “Paraenses que brilham no Sul”.



4 comentários:

  1. Pofessor Benedito

    Adorei visitar seu blog,aproveito para convida-lo a visitar o meu e assim fazermos uma parceria
    www.blogdaeducacaomusical.blogspot.com.br

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  2. MEU AMIGO BENE

    PRECISO FALAR COM VC PERDI SEUS TELEFONES

    O MEU 21-76540549

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